"Não ande atrás de mim, talvez eu não saiba liderar. Não ande na minha frente, talvez eu não queira seguí-lo. Ande ao meu lado, para podermos caminhar juntos."

Arquivo para 14/07/2008

Crime de estupro se mantém oculto no medo e preconceito


O tema é tratado com pudor exagerado na sociedade brasileira. A
natureza do crime implica à vitima, talvez mais que o medo,  um
constrangimento sem tamanho. Tanto, que somente 10% delas fazem a
comunicação oficial à polícia. O estupro ainda é um assunto que se fala
sob a penumbra, e em Natal também é assim.

O fato de as vítimas
não aparecerem com facilidade para o mundo, pode fazer com que pensemos
que o delito é incomum. E que mulheres violentadas sexualmente não
passam de tristes vítimas do destino ou de um azar sem tamanho. Puro
engano. Os casos não são tão raros assim. E as queixas continuam a ser
feitas nas delegacias da mulher da capital.

Segundo números da
Coordenadoria de Defesa das Mulheres e das Minorias/RN, somente no ano
passado, foram abertos 38 inquéritos policiais sobre o crime de estupro
em Natal. Na média, dá mais de 3 casos por mês na cidade. Se for levada
em conta a estatística dos especialistas – sobre a proporção das que
recorrem à polícia -, ocorreram em Natal 30 estupros por mês em 2007.

A
situação se torna ainda mais grave, se forem contabilizadas as queixas
prestadas, já que nem todas acabam em inquéritos. De acordo com o setor
de estatísticas da Secretaria Estadual de Segurança Pública e Defesa
Social (Sesed), foram feitas 73 queixas em delegacias especializadas no
ano passado.

O que é pior, de todas essas, 52 foram feitas na
Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DCA). Isto é, as
vítimas tinham menos de dezoito anos. Aliás, este é um outro ponto  
lamentável. As crianças são as maiores vítimas, e os autores dos
delitos, são, em grande maioria dos casos, pais, padrastos ou outros
familiares das vítimas. A violência, nesses casos, é fruto de uma
aproximação conquistada.

“Por isso o crime contra a criança é
mais covarde, mais absurdo, na minha opinião”, disse Rossana Pinheiro,
experiente delegada que iniciou a delegacia da mulher em Natal, e que
hoje está à frente da Coordenadoria de Defesa da Mulheres e das
Minorias.

A delegada descreve ainda que, no caso de agressores
que agem contra mulheres adultas, as características são diferentes.
“Eles não chegam a ser parentes, mas conhecem a vítima. Têm proximidade
com ela, e passa a seguir e estudar os seus passos”, contou a delegada
Rossana Pinheiro.

A policial lembrou também que, com o passar
dos anos, a estrutura governamental tem procurado se modificar, em
função do sofrimento das mulheres que passaram pela traumatizante
experiência. “Antigamente as mulheres iam à delegacia prestar queixa e
ouviam piadas dos policiais, como se ela tivesse provocado a situação.
Hoje nós procuramos  mudar isso”, disse.

Porém, mesmo assim, o
Brasil avançou muito pouco no que diz respeito ao trabalho a ser feito
com as vítimas. Em cada estado há redes de assistência, em Natal
também, mas ainda falta uma coesão maior entre os pontos desta rede: as
instituições policiais, médicas e sociais que prestam este apoio.

Atualmente,
a mulher vítima de abuso sexual acaba tendo que ir a quatro, cinco
lugares para contar a mesma história. O ideal, segundo os
especialistas, seria que a vítima fosse em um só lugar, logo após a
violência e ali, tivesse toda a assistência de uma só vez. Para as
autoridades no assunto, atualmente, o melhor a se fazer é procurar uma
unidade de saúde especializada, para só então, ir à delegacia. Pouca
gente sabe, mas há em Natal duas unidades de saúde com este serviço. Um
sofrimento a menos, para a mulher que sofreu a violência. 

Psicóloga faz avaliação das vítimas

A
psicóloga Mariza Rarene é especializada em Psicologia Jurídica e
trabalha no Instituto Técnico e Científico de Polícia (Itep) desde 1986
e compôs a primeira equipe da  Delegacia de Defesa da Mulher.
Atualmente atua como psicóloga forense do instituto, atendendo e
preparando laudos sobre a situação de mulheres vítimas de violência
sexual.

Cabe à psicóloga perita, expedir o laudo psicológico
com informações a serem usadas durante o processo judicial. Caso algum
problema seja diagnosticado, o documento vai auxiliar o delegado, o
Ministério Público ou o juiz no caso. “Não fazemos tratamento, nem
acompanhamento psicológico”, disse a especialista.

Segundo
Mariza Rarene, a maioria das mulheres adultas, atendidas, é vítima de
violência doméstica já as crianças geralmente são vítimas de maus
tratos e violência sexual. Quanto à forma como elas chegam ao Itep, as
características são as mesmas. “Elas apresentam constrangimento, medo e
vergonha. Sugerem baixa auto-estima, além de outros comprometimentos de
ordem emocional. Quanto ao mundo e o agressor, vai depender de quem é o
agressor e em que contexto se encontra.”, disse a psicóloga.

Mariza
Rarene conta que o estupro pode causar seqüelas capazes de deixar
mudanças profundas e impeditivas na vida da mulher. As principais
características apresentadas são mudança súbita de conduta, depressão e
isolamento de amigos e família, rebeldia ou delinqüência, agressividade
excessiva, além de terror ou medo de algumas pessoas ou lugares.

Natal tem duas unidades especializadas

Em
Natal existem duas unidades de saúde com serviços especializados em
atendimento às mulheres vítimas de abuso sexual. Na maternidade
Januário Cicco e no Hospital Santa Catarina elas são acolhidas e as
primeiras medidas são tomadas,  tanto para evitar uma gravidez como
doenças. As duas instituições são ainda as únicas autorizadas em todo o
estado para a realização do aborto legalizado.

A obstetra e
ginecologista Stenia Lins trabalha na Januário Cicco – maternidade da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – desde 1982. E trabalha no
Programa de Atenção a Mulheres e Adolescentes (Proama) desde 2000, ano
de sua implantação. A iniciativa é fruto de uma norma técnica do
Ministério da Saúde, publicada dois anos antes e visa atender às
vítimas de violência sexual.

 As mulheres e adolescentes
chegam à maternidade, em sua maioria, já depois de terem passado por
alguma outra instituição da rede de proteção (polícia, Itep ou conselho
tutelar). Mas segundo a especialista, a ida à unidade de saúde deve ser
o mais rápido possível. “A recomendação é de que, a pessoa em situação
de violência, procure primeiro o hospital. Depois é que nós
encaminhamos à delegacia”, disse a médica.

Para não prejudicar
as investigações, os médicos fazem anotações sobre o quadro encontrado,
e o laudo serve como uma perícia indireta. “Caso o juiz solicite, nós
disponibilizamos esse laudo para que possa servir no processo”,
explicou a doutora Stenia. Segundo números do Proama, entre 2003 e
2006, foram atendidas 223 mulheres na Januário Cicco. Uma média de
cinco mulheres por mês.  A necessidade de se procurar a unidade de
saúde se faz necessária principalmente pela prevenção da gravidez, com
a administração da pílula do dia seguinte e DSTs.

No dia 10 de
outubro do ano passado, ela passou pela terrível experiência de ser
abusada sexualmente. Por razões óbvias, a identidade da costureira de
26 anos será preservada e será dado a ela, o nome fictício de
“Patrícia”. Moradora de uma cidade da região metropolitana de Natal,
ela estava esperando o ônibus para ir à aula, a pouco mais de vinte
metros da porta de casa.

Era por volta de 18h30, quando o
criminoso surgiu em meio à escuridão, montado em uma bicicleta. Os pais
dela estavam em casa, mas portas e janelas estavam fechadas, pois fazia
frio naquela noite. Durante o assalto, o criminoso resolveu violentar
Patrícia, na frente de duas amigas, que esperavam o ônibus com ela.

Dias
depois, o estuprador foi preso. E com mais dez dias, conseguiu fugir da
delegacia. A relativa paz de Patrícia só veio com a notícia de que o
criminoso havia sido morto em Natal, no carnaval deste ano. Hoje, ela
trabalha e tenta seguir a vida normalmente. E conta que arranja forças
diariamente no amor que tem ao filho e à família. Foi com o menino de
três anos que ela se preocupou, durante a violência que sofreu. 

Entrevista /  Patrícia, vítima de estupro

Você conseguiria contar como tudo aconteceu naquela noite?
Eu
estava indo para a escola e neste dia o ônibus demorou um pouco, daí
ficamos eu e duas colegas na parada. De repente chega um cara, de
bicicleta, dá boa noite, pede a hora. (…) Aí ele disse: “olha,
ninguém saia, que isso é um assalto”. Aí mostrou a arma e perguntou se
a gente tinha dinheiro e telefone (…) De repente ele disse que a
gente fosse pro matagal e ninguém corresse, senão ele atirava. Ele
mandou a gente se deitar, e eu pensei que ele fosse atirar, porque
ninguém tinha objeto de valor .

Tudo isso, praticamente, na frente da sua casa…

É,
bem aqui na frente da minha casa. Ele perguntou se a outra menina era
casada, debochou porque ela é casada e não usava aliança… Perguntou
se eu era casada. Eu disse: “não, sou separada há três anos”. Ele
disse: “você, uma menina tão bonita e não tem ninguém?”

E em que momento ele resolveu não praticar somente o assalto?

Logo
depois ele disse: “você, levante e tire a roupa”. Aí eu tirei a calça,
né? Aí ele fez: “agora tire a calcinha”. Eu disse: “homem, leve tudo,
mas deixe a gente viva, não faça nada, não”. Ele disse: “você prefere
ver seu filho, ou ficar aqui estirada?”. Eu disse: “eu quero ver meu
filho, lógico”.  Aí ele disse: “então tire a calcinha”. Na mesma hora
eu tirei, ele foi, fez a tal da gravata, botou o revólver na minha
cabeça, e praticou o sexo. (…) Ele disse que sabia onde eu estudava e
que se eu denunciasse, ele vinha me buscar (…). Aí eu comecei a me
vestir, e ele mandou que eu vestisse só a calça, e levou a calcinha.

Qual foi seu primeiro sentimento após aquela violência?

Eu
senti um nojo muito grande. Minha vontade era chegar, tirar a roupa,
tomar um banho e me livrar daquilo. Mas eu sabia que não ia sair de
mim. Tava tudo fechado aqui, e eu chamei minha mãe. Eu disse: “abra
aqui, que eu fui estuprada”. Isso já chorando muito, me tremendo”.  No
que ela abriu, eu fui direto pro quarto, abracei meu filho, beijei ele,
beijei muito ele, mesmo ele dormindo. Depois disso fui imediatamente
pro banheiro, tomei banho e troquei de roupa. Depois o pessoal da
polícia veio, pra eu preencher a papelada, fazer as averigüações.

Algumas
pessoas criticaram o fato de você ter tomado banho, trocado as roupas
por conta das provas do crime. Mas é uma coisa muito difícil de fazer…

É,
demais. É como eu disse: na hora eu só queria me livrar de tudo, do
cheiro dele… por isso na mesma hora eu fui pro banheiro. Eu me sentia
muito nojenta, tinha vergonha de olhar para os meus pais.

Pouquíssimas mulheres vão prestar queixa.

Por que você resolveu fazer? O que lhe deu forças?

Assim…
como poucas vão prestar queixa, eu tinha pra mim, que eu tinha que
fazer aquilo. Não como uma vingança, mas justiça. Se eu não fosse
correr atrás dos meus direitos, ninguém ia. Se aconteceu um estupro
comigo, e eu não fosse, eles iam dizer: “ah, ela gostou, a vítima nem
veio aqui, a gente não pode fazer nada”. Então eu tinha que fazer
justiça pra mim mesmo.

Você ainda teve forças para ajudar nas investigações do seu caso.

Como assim?

Uns
dias depois, eu fui pegar o resultado da escola e vi ele passar por mim
com a mesma roupa que estava no assalto. Eu disse: “aquele é o cara que
me estuprou”. Meu amigo disse que ele poderia voltar, e a gente foi
embora.

O que você sentiu na hora?

O sentimento que eu tive é que alguém pudesse pegar ele naquela hora, e também senti muito medo.

Sim, mas o que você fez mesmo, para que ele acabasse preso?

Bom,
depois daquele momento passou uns três dias, oito horas da manhã, eu
estava em casa e ele passou na lateral da minha casa. Daí eu segui ele,
e lá na frente eu não vi mais. Perguntei a um vizinho se tinha passado
um cara de bicicleta, que tinha sido o homem que tinha me estuprado. O
cara disse que não era ele. Eu vim embora e quando cheguei em casa, um
policial chegou e disse que eu fosse com ele. Eu perguntava: “onde ele
está?”. Daí o policial disse: “Ele está morando aqui perto da sua
casa”.

Depois a polícia fez um cerco e o prendeu.

O que ele disse?

Ele
disse que não era ele, que era um cara de bem. A mulher dele disse que
ele não era daquilo, que era evangélico e tudo. Que era casado e tinha
três filhos. Ele dizia: “bote a vítima aqui na minha frente, pra ela
dizer se fui eu”.

Hoje você parece ter superado tudo isso.

Voltou a sair, freqüentar festas.

Você foi criticada por isso?

Muito.
Fui muito criticada. Diziam que eu tinha gostado, porque tinha sido
estuprada e já estava em festa. Diziam que se tivesse de acontecer de
novo, eu não me preocupava, que não ia nem presta queixa. Quando na
verdade, eu ia para procurar ele. Além do mais eu pensava em não me
deprimir. Não ia terminar minha vida por causa de ninguém.  Eu tenho
minha vontade de viver. Passei por duas psicólogas, tomei medicamento,
fiz vários exames, entendeu? E eu tenho um filho lindo para criar.
Tenho muita coisa pra viver.

As psicólogas que você procurou?

Foi por sua conta, ou uma orientação de algum serviço especializado.

A
primeira psicóloga que eu fui foi a do Itep, quando fui fazer o exame
de conjunção carnal. Mas a outra foi por minha conta. Não tive
praticamente a ajuda de ninguém, só mesmo do chefe de investigações,
que disse que ia pegar ele.

Você sabia que há serviços especializados, pelo estado, para vítimas de violência sexual?

Não,
eu não sabia. Eu acho que deveria ter mais divulgação, com certeza. Eu
não quero que aconteça com ninguém. Mas se acontecer, que procurem
ajuda, seja lá do governo ou do privado. E tem que ter mais divulgação,
sim. Porque fiz tudo a meu custo. Tive só a psicóloga do Itep e nada
mais.

Você ficou com alguma seqüela psicológica?

Mudou alguma coisa na sua personalidade?

Ah,
ficou. Ninguém pode se aproximar de mim, que eu já fico com um certo
receio. Eu estou caminhando e vejo alguém de longe, já fico cismada. Eu
ando, mas eu ando com medo. Tenho um certo receio em conversar, pegar
uma carona, fazer uma certa amizade.

Na sua sexualidade ficou algum trauma?

Você tem dificuldade em se aproximar, de namorar uma pessoa?

Ah…
ficou sim… com certeza. Recentemente eu conheci uma pessoa… mas
praticamente a perdi por causa do que aconteceu. Eu tinha um receio
sobre a sexualidade. Tinha medo de me aproximar e acontecer algo
parecido. Tinha medo de me aproximar dele, ocorrer algo parecido e eu
me lembrar de tudo. Assim… pra me relacionar com alguém hoje em dia,
pra eu me interessar por alguém é muito mais difícil.

Você acha que vai superar isso também?

Com
certeza. Com muita fé em Deus, com força de vontade pra viver. É como
eu falei, eu tenho um filho, eu tenho família, e vou superar isso
também. Com fé em Deus.

Tribuna do Norte
Jacson Damasceno – Repórter

“A sensação é a de que você trabalha com um inimigo”


Para aceitar contar à reportagem de A TARDE  sobre o que aconteceu
durante o período em que sofreu assédio moral, Lúcia (nome fictício)
fez uma série de exigências. Além de não revelar a sua identidade, ela
também omitiu a atividade que exercia e o nome da empresa onde o fato
ocorreu. Tudo por receio de que o pesadelo que viveu voltasse a
acontecer.


Ela conta que seu antigo chefe usava critérios diferentes entre os
funcionários. Lúcia sempre ficava com uma sobrecarga de trabalho muito
maior em relação aos outros colegas do setor. “Meu chefe chegou a criar
uma função de coordenação do setor, que nunca existiu, e ofereceu para
um colega que tinha acabado de entrar na empresa. Sendo que eu já tinha
muito tempo lá dentro e sempre resolvia muito mais coisas do que ele.
Tudo era feito para me humilhar”, recorda.


O assediador passa uma imagem de poder que, na realidade, não existe.
“A situação é tão rotineira e reiterada que você acaba aumentando tudo.
A pessoa se torna  maior e mais poderosa do que  realmente é”, afirma
ela, já recuperada do trauma.


Em determinada ocasião, Lúcia se ofereceu para organizar um evento da
empresa, em um dia que  não afetaria em nada a sua jornada de trabalho
normal. Mas o chefe implicou com a iniciativa e ameaçou demiti-la caso
não desistisse da empreitada. Foi nesse dia que, após muitas
perseguições, Lúcia passou mal. Com receio de ser demitida,  começou a
chorar sem parar, sentiu as mãos formigarem, perdeu os sentidos e
desmaiou. Só acordou no hospital.


“A sensação é a de que eu estava trabalhando com um inimigo, que a
qualquer momento faria algo para me prejudicar. Quando eu via um e-mail
dele que não tinha título ou assunto, eu evitava abrir pela manhã,
porque sabia que poderia ser uma coisa ruim e eu não conseguiria
trabalhar o resto do dia”, lembra ela, que guardou todos os e-mails
trocados com o antigo chefe, para servir como possíveis provas no
futuro.


Lúcia ainda pensou em denunciar o seu algoz, mas depois desistiu.
Segundo ela, que foi transferida para outro Estado para se livrar do
problema, a melhor coisa que o assediado deve fazer é compartilhar suas
angústias com parentes e amigos, para agüentar o período turbulento.

MPT investiga 121 casos de assédio moral

 


As denúncias de assédio moral no ambiente corporativo ocupam o primeiro
lugar na lista de reclamações do Núcleo de Combate à Discriminação no
Trabalho, do Ministério Público do Trabalho na Bahia.


Hoje existem 121 processos em andamento nesse núcleo, resultado de
queixas registradas por  vítimas de humilhações constantes partindo de
chefes ou de colegas que, geralmente, estão em cargos hierarquicamente
mais elevados.


“O assédio começa com uma brincadeira despretensiosa e termina se
convertendo numa prática constante. Isso resulta na diminuição da
auto-estima da vítima, até que ela não agüente mais e peça demissão ou,
em casos extremos, pode até chegar ao suicídio”, relata o procurador
Manoel Jorge e Silva Neto, que faz parte do núcleo que  investiga este
tipo de queixa.

PRIMEIRO MUNDO – Diferentemente do que se pode
imaginar, o problema é recorrente até mesmo em países reconhecidos pelo
alto nível de qualidade de vida. Na Suécia, por exemplo, entre 10% e
15% dos casos de suicídio estão relacionados ao sofrimento imposto pela
pressão no ambiente de trabalho.


Outro dado que mostra que o problema não acontece somente em países
subdesenvolvidos é a estimativa da Organização Mundial do Trabalho
(OIT) que indica que 9% dos trabalhadores da União Européia – cerca de
12 milhões de pessoas – já foram vítimas de assédio moral.


No Brasil, a situação não é diferente, mas ainda faltam estatísticas
que demonstrem esta realidade, até porque muitos trabalhadores deixam
de denunciar por medo de retaliações.


“Este é um problema que atinge um parcela considerável da população,
que termina não denunciando. Isso tem que acabar. Temos que
conscientizar as pessoas a expor o seu caso, para que esse tipo de
comportamento seja reduzido”, orienta Manoel Jorge.

MEDO – O receio de sofrer ainda mais com o assédio do
seu antigo chefe fez com que Lúcia (nome fictício) não registrasse
queixa. Mas, para se livrar do problema – que se agravava a cada dia e
que a fez  passar mal, desmaiar e até ser hospitalizada –, ela precisou
pedir transferência da empresa para trabalhar em outro Estado.


“A princípio, pensei em levar o caso à Justiça, mas depois eu desisti,
porque não quis me sentar numa mesa de audiência e estar cara a cara
com a pessoa que me fez sofrer durante tanto tempo e reviver as
situações. Mas ele merecia uma punição”, diz Lúcia

Colaborou João Mauro Uchôa

Denúncias já surtem efeito no Brasil

Apesar de o medo de retaliações impedir que muitas vítimas denunciem a
prática do assédio moral, alguns casos de condenações recentes de
grandes empresas no Brasil demonstram que é possível punir os
agressores.


Na última quinta-feira, por exemplo, a indústria de bebidas Ambev
entregou dois veículos  à Superintendência Regional do Trabalho no Rio
Grande do Norte para uso em fiscalização.  A doação faz parte de
indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 1 milhão, prevista
no acordo extrajudicial firmado com o Ministério Público do Trabalho
local em abril deste ano.


No entanto, o caso não se relaciona com outras investigações sobre a
Ambev ainda em andamento no País. Alguns processos narram episódios
absurdos envolvendo rotinas de humilhação e até mesmo violência física
impostas pelo empregador.


Um funcionário da cervejaria em Sergipe, demitido em 2004, foi
indenizado em R$ 70 mil por ter sido “premiado” com objetos no formato
de excrementos humanos. Sua foto segurando o “presente” chegou a ser
publicada num mural interno.


No ano passado, a Ambev também foi condenada a indenizar em R$ 50 mil
um ex-funcionário no Pará, obrigado pelo gerente a fazer flexões na
presença dos colegas quando não alcançava desempenho satisfatório.


Em 2006, a empresa já havia sido condenada, também no Rio Grande do
Norte, a pagar R$ 1 milhão por punir empregados com castigos físicos e
outras “prendas” como trabalhar fantasiado, assistir a reuniões em pé e
dançar “na boquinha da garrafa”. A reportagem de A TARDE entrou em
contato por e-mail e telefone com  a assessoria da Ambev, em São Paulo,
para esclarecer os fatos, mas não obteve retorno.

INDENIZAÇÕES – Os valores das indenizações variam de
acordo com cada caso. “Os processos que abrangem danos coletivos têm
valores muito maiores do que os casos individuais”, explica  Manoel
Jorge e Silva Neto, procurador do Ministério Público do Trabalho na
Bahia (MPT-BA).


A multa que a empresa agressora deve pagar também varia de acordo com a
gravidade da transgressão. “Além disso, a indenização pode ser maior ou
menor a depender da capacidade da empresa de pagar. Quanto mais
condições ela tem de pagar, maior é o valor da indenização”, detalha o
especialista.


Silva Neto esclarece que os diretores e presidentes das grande empresas
precisam ficar atentos para ações dos seus líderes. “O Código Civil
estabelece que a responsabilidade por atos de assédio praticados por
gerentes e outros superiores, dentro do domínio da organização, é da
empresa, que responderá objetivamente pelo ato ilícito”
, frisa.

PROVAS – Para denunciar o assédio moral, o ideal é que
a vítima recolha a maior quantidade de provas possível. “Eu defendo a
possibilidade de a vítima gravar as suas conversas com a pessoa que o
assedia, ainda que o assediador não tenha conhecimento que esta
conversa esteja sendo gravada”, afirma o procurador.


Segundo ele, esta prova não é ilícita, já que se tratou de um diálogo
gravado por uma das partes e, posteriormente foi levada a juízo.  “Só é
ilegal quando nenhuma das duas pessoas que estão conversando sabe que 
esse diálogo foi gravado”, explica Silva Neto.

ASSEDIADOR –Diferentes características de
personalidade podem levar pessoas a praticar o assédio moral, como
afirma o psiquiatra Marco Antonio Brasil, membro da Associação
Brasileira de Psiquiatria. “É difícil indicar apenas uma
característica, mas podemos dizer que todas as pessoas que praticam o
assédio moral têm aspectos em comum”.


De acordo com o médico, os assediadores sofrem de transtorno de
personalidade, do tipo anti-social. “Eles conseguem causar danos aos
outros sem que para isso sinta qualquer ressentimento”, detalha ele. Os
assediadores possuem também a capacidade de seduzir e manipular.


Já as vítimas que ficam mais tempo “aprisionadas” a este tipo de
assédio, segundo o médico, são aquelas que possuem auto-estima baixa.
“As pessoas frágeis acreditam que não podem reagir, porque as
conseqüências  seriam muito piores”, avalia.


No entanto, o psiquiatra avisa que sempre existe uma luz no fim do
túnel e que a pessoa, se estiver muito fragilizada, precisa procurar
ajuda. “Seja religiosa, de amigos ou de um profissional”.

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